Vestir as camisolas

Podia ser um caso de estudo. “Como os profissionais de Relações Públicas se relacionam emocionalmente com as organizações com quem trabalham e de que forma isso afecta as suas vidas: uma introdução ao estranho caso de transformação de percepções nos indivíduos que apenas deviam ser responsáveis por… as transformar nos outros”. Ou, em inglês, “Why the hell am I drinking Coca-Cola instead of Pepsi now?”

É verdade. Isto é um aviso para os mais novos: a ligação a uma organização com quem ou onde trabalhamos pode transformar-se num relacionamento sério. Uma ligação de paixão, que nem sabemos bem explicar. Sem darmos por isso, podemos ser nós, profissionais de Relações Públicas, os principais veículos de transmissão de mensagens sobre os nossos clientes. Mas não é esse, de facto, o nosso trabalho? É. Quando estamos em modo profissional. Mas à noite, ao fim-de-semana, de férias, pode não ser. Melhor: lá no fundinho, no nosso coração, ou entre os pensamentos mais íntimos e profundos, à partida, não tem mesmo que ser. Se eu trabalhar para a Associação Internacional de Vendedores de Redes para Dormir, não significa que tenha uma, ou que considere que os colchões já eram e que, no Verão, o que está a dar e faz bem à saúde é mesmo dormir numa rede. Posso detestar redes, mas defendê-las todos os dias, no meu trabalho.

Hummm, not really.

 A questão é que nós trabalhamos com argumentos. Construímos uma história real com base nos benefícios, nas características, na identidade e nos valores de uma organização. Quando damos por isso, essa argumentação contagia a nossa opinião também. Mais, trabalhamos com pessoas, os nossos clientes, que defendem apaixonadamente os seus produtos e serviços e que têm a gentileza de partilhar connosco os seus objectivos de negócio. Construímos uma relação de parceria e de cumplicidade com essas pessoas, com os seus produtos e serviços, e integramos o corpo de missão. Algo muito semelhante acontece também em relação aos clientes dos nossos colegas, por tantas vezes os ouvirmos a argumentar nos seus contactos diários. Vai daí, estamos a abrir conta no BES, a ir de férias para a Comporta, a tomar Centrum, a obrigar os nossos amigos a escolherem sempre Super Bock, ou a gritar pelo Pooooorto! (Para esta não era preciso trabalhar na LPM…).

Chama-se a isto vestir a camisola. Se trabalhamos em empresas de Consultoria em Comunicação, no Inverno nunca temos frio, tal é o número de t-shirts, camisas e casacos que vestimos. No Verão fica mais abafado, mas há sempre uma rede na varanda lá de casa onde, durante a noite, nos podemos refrescar… Oh nooo, there I go again!
 


 Ana Martins

publicado por Lugares Mesmo Comuns às 12:24