O lpm, sim, ele próprio, chamou-me hoje a atenção para este pequeno texto de Plutarco:
"O inimigo vigia atentamente os teus actos, pretendendo sempre tomar a dianteira em todos os teus passos, cerca a tua vida, espreitando, não apenas entre as árvores, como fazia Linceu, nem só entre seixos e cacos, mas através do teu amigo, do teu escravo, e de todos os teus familiares, procurando informar‑se o mais possível sobre o que tu estás a fazer, e atento, segue no encalço dos teus projectos. Muitas vezes, os nossos amigos ficam doentes ou falecem sem que nós tenhamos sabido, por negligência ou descuido nosso; agora dos nossos inimigos, pouco falta até para lhes ocuparmos os sonhos. Doenças, dívidas, desacertos conjugais, mais facilmente passam despercebidos aos amigos do que ao inimigo. E o que é mais importante, ele fixa‑se sobretudo às nossas fragilidades e procura expo‑las. Tal como os abutres são atraídos pelos odores dos cadáveres em decomposição, mas são incapazes de sentir que estão purificados e limpos, também as enfermidades, as fraquezas e os sofrimentos da nossa vida põem o inimigo em movimento, e os que nos odeiam lancam‑se sobre eles, atacam‑nos, e desfazem‑nos em pedaços. Como pode isto ter utilidade? Seguramente, tem a de forçar a uma boa conduta de vida, a de prestar atenção a si mesmo, sem nada fazer ou dizer de leviano ou irreflectido, mas, tal como uma dieta rigorosa, a de manter sempre a vida resguardada de toda a censura. É que a vigilância, que assim controla as emoções e conserva o raciocínio mesurado, faz desenvolver a prática e o propósito de viver em equilíbrio e de modo irrepreensível. Assim, tal como as cidades castigadas pelas guerras com as cidades vizinhas ou pelos assaltos militares contínuos apreciaram as boas leis e um poder político saudável, também os que foram forçados, por força das inimizades, a levar uma existência sóbria, a evitar entregar‑se à imprevidência da acção e aos erros de avaliação, a tudo fazer com moderação, são pelo hábito conduzidos até à irrepreensibilidade, boa conduta e têm um modo de agir ajustado, por pouco que o espírito esteja envolvido. E como o dito “‑ Na verdade se regozijariam Príamo e os filhos de Príamo!” está sempre à mão, demove‑os, afasta‑os e põe‑nos longe daquelas situações que levam os inimigos a comprazerem‑se e a rejubilarem. E vemos com frequência os actores de Dioniso, nos teatros, a representarem displicentemente quando estão uns com os outros, com indiferença e sem determinação. Mas quando há rivalidade e uma competição com outras companhias, não só zelam melhor pelo seu próprio desempenho, como pelo dos seus instrumentos, afinando‑os, esforçam‑se com mais rigor pelo equilíbrio do conjunto, e tocam as flautas harmoniosamente".
Sandra Silva