
…mas com muita lata. Bem no início dos anos oitenta, andava eu a gatinhar no jornalismo, muito falar se ouvia de um funcionário público de faro apurado para acontecimentos mediáticos dignos de primeira página. A personagem – vou chamar-lhe Dupont, só para acautelar bruaás e, já agora, me curvar ante a memória do finado – tinha uma agenda insuperável. Mais do que isso, era figura omnipresente. Era vê-lo no mesmo dia, em três conferências de imprensa (muito em voga à época, por dá cá aquela palha…), sempre pressuroso, mas de finíssimo trato (o que é verdade é para se dizer), sempre de olho vivo em busca de um lugar entre os jornalistas destacados para os citados encontros. Convém notar que o Dupont se apresentava invariavelmente como repórter, ainda que ninguém, em momento algum, dele tivesse lido uma linha… A vocação do Dupont pendia, manifestamente, mais para as áreas do que hoje se chama food and beverage – naquelas conferências de imprensa, era matemático: o nosso Dupont não perdia tapa nem canapé, na borbulhante companhia de uma taça de espumante (a flute era coisa rara nesse tempo) ou acolitado por um copo de tinto generosamente cheio – de preferência. Logo au premier temps de la valse, o Dupont evoluía junto ao cortejo das iguarias com a destreza de um Fred Astair ou de um Gene Kelly. Não hesitando em recomendar aos “colegas” – era assim que os considerava – o que mais saborosamente fazia as honras da mesa… ora a empadinha… ora as coxinhas de galinha… Os atributos do nosso Dupont atingiram tamanha notoriedade que um conhecido semanário decidiu brindá-lo com uma alfinetada (em bom rigor, garfada…) ao dar à estampa uma foto sua a duas colunas e um naco de prosa sob o título “Jornalismo de garfo e faca…”. Seja como for, não poucos foram os jornalistas que, ao se cruzarem com o Dupont, logo procuravam dar fé do melhor da agenda mediática para o dia seguinte. E o Dupont jamais se fechou em copas. Afinal, colegas são colegas… À gaveta das minhas memórias, de longe em longe vou buscar um episódio com esta singularíssima personagem. De serviço marcado para a Casa do Alentejo, às Portas de Santo Antão, na baixa lisboeta, quando lá chego, logo dou de caras com o Dupont num vigoroso one to one com a senhora que tinha por tarefa registar a presença de jornalistas. O Dupont perguntava: “O Diário de Notícias está?” E a senhora respondia: “Já cá está, sim senhor!” O Dupont voltava à carga: “E o Jornal de Notícias?” Resposta: “Também já chegou, sim senhor!” O Dupont sem desarmar: “Veja aí, por gentileza, o Comércio do Porto!” A diligente senhora: “Por acaso… também está aqui!” O nosso Dupont, suado e ruborizado, tentou um último trunfo: “E a Gazeta dos Caçadores… não acredito que esteja!” Alguns segundos depois, a resposta: “Deixe-me ver… deixe-me ver… só mais um segundo…. não, meu caro senhor, até agora ainda ninguém se apresentou como representante desse jornal…” O nosso Dupont encheu o peito de ar, abriu o sorriso em todas as latitudes e disparou: “Minha senhora, queira ter a certeza de que a Gazeta dos Caçadores acaba de chegar - eu sou justamente o seu enviado especial!” Era assim o inefável Dupont. Se outro mundo haverá para além deste, e eu espero bem que sim, quero imaginar o nosso Dupont a safar-se em beleza perante episódio semelhante. Como enviado especial do “Diário dos Querubins” ou da “Tribuna do Arcanjo” ou do “Correio dos Serafins” ou de outro qualquer título que, em caso de aperto, lhe sirva de salvo conduto para novas tapas e canapés. Dupont(o) final.
Alberto Machado